Friday, January 17, 2014

Manhã cedo...

Manhã cedo, levantei-me da cama e saí para a rua, que é uma forma de dizer.
(eu e a minha mulher somos daqueles poucos que têm a sorte de ter uma casa que dá para um abismo)
Sentei-me no extremo do penhasco.
Em baixo não havia ninguém a gritar que eu ia suicidar-me,
nem bombeiros, nem rede para me salvar.

O meu cão
com seus pensamentos de cão
(nunca me larga o raio do bicho!),
estava a jeitos de meditabundo.

À minha frente
Vi um portão em ferro forjado que estava semi-aberto
Percebi logo que era a entrada para o Paraíso do meu livro de Religião e Moral
de  minha saudosa segunda-comunhão.


















Deixei-me ficar ali até Dezembro
(eu tenho reservas de gordura como um urso)
A cidade, como era de esperar, entretanto (con)gelou.

Como vos disse, a minha casa fica no alto de um penhasco
E o seu único acesso é uma velha e misteriosa estrada que o abraça em espiral como se fosse uma serpentina.
Pelo caminho existem árvores que fazem lembrar tarântulas,
Prontas a engollir os mais incautos
E pelo menos uma casa habitada por um casal de duendes
gordos e brincalhões.
Quando há nuvens - e é raro que não haja - não há trânsito,
Tudo razões por que raramente temos visitas.
De quinta a sábado, a cidade, na parte baixa do penhasco, anima-se de luzes vermelhas
Faça lua ou faça chuva, pois isso acontece mais à noite.  É a chamada movida.
(Ultimamente ocorreu um episódio deveras curioso que merece ser contado:
um grupo de turistas organizou uma largada de balões para visitar o meu lugar
mas perdeu-se num vale mais a Sul,
isto a crer nos relatos dos noticiários. Não houve feridos nem mortos.)
O meu penhasco é inexpugnável!
Um lobisomem com quem eu me dou muito bem gosta especialmente d'A Catedral
Conjunto harmonioso de árvores severas e agrestes que se fecham em forma de ogiva.
(Tem bons gostos o animal e o nome que lhe deu está bem dado! Diz-me ele que se não fosse lobisomem gostava de ser arquitecto.)
Deu-se um facto novo: aqui há uns dias descobri uma sereia a banhar-se numa pequena queda de água que serpenteia
o meu caminho em forma de serpente
(Ai se o meu lobisomem sabe!...)
Vi-a só mais uma vez, repousada num baloiço, mas não tive ensejo de falar com ela...
De tantos encantos embebido esfreguei os olhos e soergui-me à voz da minha 'Né:
«O pequeno-almoço já está na mesa!»
«Já não era sem tempo! Estas coisas dão-me uma fome de lobo!"


(Nota: composição, em cima, com recurso a imagens disponíveis na Web.)

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