Uma beterraba no Vaticano

Conselhos turísticos a propósito de "Uma beterraba no Vaticano"

Aproveite para ir a Itália. Vá a Roma e visite o Coliseu. Imagine-se a aplaudir os gladiadores. Depois assista ao vivo à "última prece dos mártires cristãos" momentos antes de serem devorados pelo leões, produções Lusomundo, sem próximos episódios. Assista à "saudação" nazi da época, o pollice verso, a sentença do polegar para baixo. Veja como parecem limpos os patrícios. E que belas e generosas são as romanas suas esposas! Cobice-as em pensamento! Não há que temer pois tanto eles como elas já se foram há muito. Não desdenhe dos bárbaros. Há muitos por aí. Caso nunca tenha reparado é porque já se habituou a vê-los. Mais tarde dê um salto à cidade do Vaticano. Provavelmente irá cruzar-se com alguns cardeais. Se ainda não viu nenhum ao vivo, agora já viu um. Faltam só as "actividades turísticas e ingressos" que mais lhe interessam. É só fazer no motor de busca "getyourguide.pt  | cidade do Vaticano". Tão simples como isto não há.

Guarde a beterraba para mais tarde e não ande com ela à cintura. Pode ser mal entendido ao passar por um cardeal. Por dois é pior. A razão é que há uma enorme semelhança entre as beterrabas e os cardeais e eles sabem disso. Mantenha, sobretudo, um ar sério. Ar piedoso, não. Os cardeais são muito espertos e topam-no à distância. Não se esqueça que nunca esteve tão próximo de Deus como agora. Mais próximo só em Jerusalém. E mais próximo ainda é quando se for desta vida, caso o comboio para o além não o leve a outras paragens. Estando longe dos cardeais pegue na beterraba e faça você mesmo um delicioso creme. Não salive por enquanto, deixe isso para a altura. Só falta, tal como fez para a busca do "Vaticano", escrever "gastronomias.com | creme de beterraba frio". É o primeiro nos resultados. E então? Valeu ou não valeu a pena?


(1. As "actividades turísticas e ingressos da cidade do Vaticano"; 

2. O "creme de beterraba frio"; 

3. História e Dicionário: a) "A última prece dos mártires cristãos", quadro de Jean-Léon Gérôme (1883); b) O pollice verso, posição do polegar, movimento do polegar ou meneio do punho com o polegar esticado, para sentenciar os vencidos nos duelos, é ainda hoje uma questão envolta em polémica; c) Patrício: relativo à classe dos nobres entre os Romanos; d) Bárbaros: os estrangeiros, em relação aos Gregos e Romanos;

4. Composição a partir de imagens disponíveis na Web.)

Pirilampos!

Dicionário: Ctenóforo: criatura marinha, "com cerca de cinco centímetros de comprimento", de aspecto "sino-gelatinoso e transparente", que apresenta "saliências ao longo dos flancos" e quando tocado "cospe luz"; Pirilampos: seres dos ares, às vezes confundidos com OVNIS. 

Entre "os seres luminosos que habitam a Terra" constam os pirilampos, a Maria das Dores, mais uns tantos, e em volta deles está "a própria vida". Ctenóforos, ostracodos, dinoflagelados, sifonóforos, cogumelos, caracóis, alforrecas e camarões ficam para outra história. Certa noite, depois de muito beber, o Zé das Pedras, conhecido assim por andar sempre a tropeçar nos calhaus, viu através do vidro fosco da janela umas luzes tremeluzentes no quintal, cinco ou seis, contou-as, o quintal dava para um descampado, no descampado havia umas torres gigantes com fios que zumbiam, o Zé das Pedras sempre acreditou em discos voadores, era um consumidor de revistas do tema e tinha recortados e colados em papel costaneira todos os artigos que o Joaquim Fernandes escrevia no Jornal de Notícias, os discos voadores eram mais que uma certeza, eram uma verdade científica, de modo que acordou a mulher aos gritos são eles!, são eles!, eu bem te dizia, e a mulher roncou, outra vez bêbedo?, que horas são?, três, achas que são horas?, parece que o mandou àquela parte e virou-se na cama com a outra parte da cara na outra ponta do travesseiro de modo que quando ele se deitasse ficassem costas com costas. A mulher do Zé das Pedras chamava-se Maria das Dores, e não era só pelas dores que sofria por ele, era também pela puta da vida, os tais seres luminosos, os pirilampos!

Um bocado de chichi apodrecido em quantidade generosa - pode ser de gato -, com areia, destilado depois, dá fósforo, não é preciso ser ctenóforo.

(segundo o Livro de Estilo de Camilo José Cela «in» Madeira de Buxo (Madera de Boj, 1999))


(1. A propósito: «Os seres luminosos que habitam a Terra» - National Geographic (Portugal); 2. Sobre "um bocado de chichi": «Henning Brand» - Wikipedia; 3. Mais uma vez o dicionário: a) papel costaneira: papel grosso e ordinário; b) OVNIS: Objectos Voadores Não Identificados.)

Peixes-piloto acompanhando tubarão-de-ponta-branca

(1. «A luta pela sobrevivência do tubarão que já foi o pior pesadelo dos marinheiros» ("Os tubarões-de-pontas-brancas e os peixes-piloto partilham a água") - National Geographic (Portugal); 2. A propósito: a) «Tubarão de Pontas Brancas» - Portal São Francisco; b) «Naucrates ductor» (peixe-piloto) - Wikipedia; 3. Nota: imagem disponível no artigo da Wikipedia.)

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