Friday, March 20, 2009

A morte do Jorge e ele há coisas do diabo!

Do lado de lá do telemóvel a mulher do Jorge tamarelava as palavras, dizia que era a Cristina que falava…, que tinha morrido o avô do seu homem

(barulho das batatas a saltar para o óleo na sertã… e um cliente a dizer «quanto é, menina?»)

Do lado de cá o espanto, o "tinha morrido o avô do seu homem" transmudara-se para um "tinha morrido o seu homem".

(O que faz os soluços! Ou seria o sinal do satélite que estava fraco?)

- O teu homem!? Qual deles?

(a mulher do Jorge era casada em segundas núpcias e explicou: «O Jorge»)

Um grito no café:
- Ó mãe, o Jorge morreu!

- Quem, o nosso compadre!?

Foi de infecção súbita levado para o Santos Silva (hospital) e finou-se. E pouco mais se soube muito por causa dos soluços e abreviações e do maldito satélite que andava maleiro de sinal.

Daí a nada, o Jorge, um rapaz dos seus 47 anos, com muito ainda para dar, estava morto e bem morto, e pronto. Vá-se lá saber como!

("Não há remédio, calha a todos", diz o saber popular. O erudito também.)

E logo sucederam as conversas de circunstância, mais ou menos assim:

- Vai levar um funeral como poucos, ai vai! (elogio)

- E a casa dela, já estava paga?

- Sei lá!

- Não faz oito dias dei-lhe aquelas prateleiras, ali do armário, para os pássaros…

(O Jorge era amante de passarada engaiolada, entre outras coisas como o Fê-quê-pê - um clube de futebol da cidade, para quem não saiba.)

O ambiente enlutava-se, em crescendo. Só faltava mesmo trocar de roupa, desligar a televisão do café, baixar os estores e pensar na compra da coroa – e quanto maior melhor.

No meio deste pequeno vendaval (ou terramoto, tanto dá!) alguém se lembrou de fazer um simples telefonema para saber da capela, hora de saída do funeral, enfim, todos esses pormenores inevitáveis que a morte traz no imediato.

Qual espanto o Jorge afinal estava vivo, vivíssimo da silva. E deu-se o milagre: às lágrimas sucederam os risos, risos de alegria!

Antes o avô do Jorge que o Jorge» - isto foi dito seguramente umas três vezes, em razão daquele provérbio que diz "o diabo quer-se mudo, quedo e surdo" e também daquele outro do "não vá o diabo tecê-las".)

Alguns clientes do café sorriram – e ficaram-se por aqui "porque com estas coisas não se brinca". Alguns, mais velhos, incomodados com esta injusta dialéctica de às vezes os mais novos se finarem primeiro que os mais velhos, já tinham ido embora convencidíssimos da morte do Jorge, uma chatice!

Por fim lá apareceu o morto-vivo, motivo mais de festejos que de pêsames.

Um cliente vindo da rua, que todo era ouvidos, de cerveja vazia na mão com ares de quem morre por mais uma, ao vê-lo, cumprimentou-o assim:

- Nunca vi um morto levantar-se tão rápido do caixote! Mais uma mini...

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