Do conto “Lulu” em “A República dos Corvos”, de José Cardoso Pires:
«Durante algum tempo pensei que aquele ódio ao meu amigo viesse da simpatia que ele tinha pelos gatos. Ou que devia ter, não sei. Nunca falámos sobre o assunto mas nada mais natural que um tradutor de T. S. Eliot gostasse de gatos, uma vez que tratava com eles por escrito e a vários nomes, gato Augustus, gato Alonzo, gato Roly-Poly, e se gostava era coisa que não poderia passar despercebida a um lobo d’alsácia tão ortodoxo como o Duque. Em enterro de cão, gato não chora – princípios destes nunca esquecem, não é assim? E tratando-se de gatos famosos na lenda e famosos na rima, pior ainda.»
Antigamente, cão e gato que se dessem eram uma aberração. Hoje é vê-los no You Tube, para gáudio de crianças, adultos e mais velhos, de pata dada, rechonchudos, peludos, numa resignação como só há muito, muito tempo, se viu na história da arca de Noé que juntou um animal de cada espécie lado a lado. Neste céu dos nossos pensamentos ainda lá estão o cordeiro e o lobo, a impala e o leão coexistindo pacificamente, amigo com inimigo!
Onde está o pêlo eriçado, o bigode no ar, o gatázeo espetado? O arrelia-cães, aquela coisa fina e nobre que manda às urtigas o dono que não lhe dê aparas e leite?
Onde está o pêlo-de-cão a cheirar a queijo que tresanda, o dente arreganhado? O mata-gatos, velho sabujo sevandija?
Pacificaram-se. Perderam-se.
Assim, ainda vamos ver em enterro de cão gato a chorar!
(José Cardoso Pires neste «blog»)
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