Sunday, September 21, 2014

Dragões-de-Komodo

Subtítulo:

Ah! sinto-me como um dragão com hálito de limão!
(histórias sem fim à vista)

– A história é contada assim: – disse a Mãe.

– Nas ilhas de Komodo, Rinca, Gili Motang e Flores, na Indonésia, vivem, felizes, os maiores dragões vivos à face da Terra e o maior dos varanos; se outros dragões houve, com asas, poderes mágicos e hálito de fogo só se sabe pelas iluminuras medievais, pela mitologia ou então pelo cinema. Pois os desta história vivem em Komodo, não têm asas nem poderes mágicos, tão pouco cospem fogo; mas não é por isso que deixam de ser menos temíveis.


– Claro está – continuou a Mãe – que quem está a dar os primeiros passos comete sempre os seus erros, embora não seja bem o caso, pelo menos desta vez, do nosso pequeno dragão que chega diante do pai, com ar de vitória, estás a ver?, e lhe dá esta terrível notícia: «Pai! hoje, pela primeira vez na minha vida, lavei os dentes!» – Joãozinho deu uma sonora gargalhada e perguntou: – E o pai que lhe disse?



– Ora! o que qualquer pai dragão assustado diria… Que é coisa que nunca se faz, que os dentes, na espécie deles, quanto mais fétidos, melhor. E para exemplificar o pai dragão pôs a língua de fora, e, saracoteando-a, apontou à bocadura e disse: «É aqui dentro, na queixada, na nossa língua, que trabalham para nós umas bactérias terríveis, uma simples mordidela e a infecção faz o resto, isto se o bicho não morrer antes de susto, e olha, disse o pai abanando para cima e para baixo com a cabeça, para que não houvesse dúvidas, já vi muito bicho a abortar e a parir antes do tempo só de nos olhar!»; o pai dragão estava imparável: «E vens tu agora, que ainda cheiras a cueiros, dar cabo da nossa reputação? malbaratar os nossos pergaminhos!?» e dizendo isto lá se calou mas só porque tinha que dar um estalo com a língua para saborear um naco de carne apodrecida que se tinha soltado de entre os dentes. – Isso é que foi um bate-barbas! – sentenciou o Joãozinho. – Pois foi. Até eu estou cansada – admirou-se e riu-se a Mãe.

– Só que o pai dragão estava enganado! – disse a Mãe. – Pelos vistos o filhote de dragão tinha-se estreado nas artes da caça para desgraça de uma galinha preta. Como era um dragãozinho diabrete, assim como tu! – aqui a Mãe riu do disparate, – com um apurado sentido de humor, coisa aliás nada habitual nos dragões da sua idade e se calhar até na maioria dos dragões adultos, lavar os dentes para ele era uma forma humorística de dizer cerrar os dentes na pobre, estás a ver?, pelo menos foi esta a explicação que deu aos pais, e dando-a tal como entrou saiu a correr, com aquele andar trangalhadanças que têm os dragões, bamboleando a cabeça ora para a esquerda ora para a direita mas velozes como uma bala, pois a essa hora já a vítima devia estar a desfalecer nalgum canto.

– Não gostava nada de ser galinha preta! – disse o Joãozinho. E riu.

– O pai dragão – continuou a Mãe: – ainda pensou que o filho era um caso psiquiátrico, às tantas era hiperactivo, mas sobredotado não devia ser pois não via a quem pudesse sair e até comentou com a dracena sua mulher: «este nosso filho às vezes tem uns comportamentos um tanto ou quanto surrealistas!» – E eu, Mãe? – quis saber o Joãozinho. A Mãe fez que não ouviu: – Bem, para estar de bem com Deus e com o Diabo a mãe dragão atacou o mau humor do pai dragão duma forma simples e sábia, dizendo: «É da maneira que é menos um prato na mesa.» E pronto! Joãozinho, fim de história. E agora vamos ao que interessa, a ver se o meu menino aprendeu alguma coisa…

Joãozinho estava com ar de quem tem uma pulga atrás da orelha, um sorriso malandro?

– Mas nós não somos dragões! não é Joãozinho? Ora toca lá a lavar a dentuça para que o menino com bom hálito tussa… – A Mãe gostava especialmente de fazer rimas pois sabia que esta era a melhor forma de levar a água ao seu moinho. Mas Joãozinho, no intervalo de uma escovadela, a boca cheia de pasta de dentes e tentando fazer bolhas com a boca, ainda quis saber:

– E o dragão sempre caçou a galinha preta, Mãe?

– Fica para amanhã. Vá! mais uma esfregadela…

– E contas?

– Conto. Agora bochechar…

– Ah! sinto-me como um dragão com hálito de limão!


(1. «Dragão-de-komodo», ou crocodilo-da-terra (Varanus komodoensis) - Wikipedia; 2. O «Dragão» ao longo da História - idem; 3. Só para nós, humanos: «Prevenção e higiene oral - Perguntas e respostas úteis» - Ordem dos Médicos Dentistas; 4. Já agora: o significado de a) cheirar a cueiros: ser muito novo ainda; cueiro: faixa de baeta ou flanela, pano em que se envolve o corpo das crianças por baixo e especialmente as nádegas; e de b)“bate-barbas”: Batibarba: palmada por baixo do queixo; em sentido figurado: "repreensão severa". Bate-barba (o mesmo que batibarba): discussão acalorada; 5. E perguntam vocês: o que é isso de ter um “comportamento surrealista”? Fiquemo-nos por esta explicação – superficialíssima –, que é a que mais serve a esta história: aquele que joga com as palavras para produzir um efeito de diversão, ou tem um comportamento desconcertante – talvez o pai dragão quisesse dizer que o filho não regulava bem dos pirolitos! – Mas vai-se explicar a fundo, a preceito, a um dragão o que é surrealismo!? o que é “humor negro”!? e dar-lhe depois com uma sebenta nas ventas e pô-lo a estudar!? Claro que não.)

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