Sunday, February 23, 2020

Até amanhã, meus senhores, se Eu quiser.

O Lacerda tinha uma teoria curiosa: um homem devia ter um tempo de vida estipulado e enquanto vivesse gozar de boa saúde. Findo o prazo morria e não havia cá aquela coisa de ir p'ra outra vida.

O Lacerda morreu de morte súbita aos 78 anos. Um dia regressou. Logo os amigos quiseram saber como era a tal outra vida. Que era uma festa permanente, respondeu. Mais curiosos ainda, perguntaram-lhe como era Deus. Um tipo porreiro, da borga, mas só soube que era Ele quando um dia, depois de uma grande jantarada, Ele se levantou e disse: Até amanhã, meus senhores, se Eu quiser.

O Lacerda andava chateado como um peru. Primeiro, porque nunca desejara ter uma outra vida; segundo, porque conhecendo a que tivera do lado de cá era um desperdício de tempo andar a repetir tudo de novo. Um dia atravessou-se à frente de um autocarro e morreu segunda vez. Os amigos têm uma leve suspeita de que terá ido parar ao Inferno, onde quem preside é o Diabo.

O riso do Diabo, 1975?, desenho a caneta de tinta da china.














A verdade é que o Lacerda até hoje não regressou e já faz bastante tempo. De modo que os amigos estão sem saber como são por lá os salamaleques e se aquilo é assim tão mau como dizem.


(1. A propósito: o «Diabo» neste «blog»; 2. Dicionário: salamaleque: a) do árabe, salam'alaik, a paz esteja convosco (saudação entre os muçulmanos); b) equivalente a rapapé: cumprimento afectado ou exagerado; grande reverência ou mesura.)

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