Thursday, May 21, 2020

O coronavírus, a moca medieval estrela da manhã, os Demogorgon, os Democães e as tranças das crianças de Nairobi

Já vem de longe o gosto humano por laboratórios ainda que improvisados e incipientes. O Homem nunca se conformou com a sua condição humana e sempre aspirou ao lugar dos deuses.

Como se disse, os primeiros laboratórios começaram por ser incipientes. Um caldeirão a céu aberto, fogueira por baixo, "asas" de morcego lá dentro (se assim se podem chamar), plantas que só uns poucos conhecem, de misteriosas propriedades e difíceis de encontrar, mais uns pozinhos de perlimpimpim e uns bons litros de água, tudo a lume brando, e aí está um laboratório e uma poção mágica.

No ano 50 a.C. uma aldeia de irredutíveis gauleses cercada por guarnições de legionários romanos resiste graças ao poder mágico da poção criada pelo druida Panoramix que dá aos gauleses uma força sobre-humana. Numa das histórias os romanos tentam roubar a preciosa poção, único meio de derrotar os intrépidos gauleses.

Desde sempre os laboratórios, os palcos ou da mágica ou da ciência, foram motivo de disputa.

Nós sabemos que há poções que dão uma grandessíssima moca. Mas uma valentíssima mocada também produz o mesmo efeito. Que o diga o Artur, O Fantasma Justiceiro, que viveu num castelo medieval e que com as suas muitas aventuras (81) sabia bem da força de uma estrela da manhã. Não, não é essa que vemos no céu pela alvorada, mas uma que transforma o dia em noite num piscar de olhos e põe um tipo a ver estrelas: uma maça composta por uma esfera metálica com espinhos ligada por uma corrente ou presa directamente à clava. Volteava no ar contra o inimigo e ZÁS!, CATRAPUMBA! Com forma de coroa e a beleza de fazer corar um coronavírus, a ideia haveria de ser aproveitada como fura-lagartas, na guerra, como sempre.

Coronavírus e outras coroas


No séc. XV (1456-1462), o conde Drácula, ou conde Vlad III Dracul, é um torturador implacável cuja prática favorita é o empalamento dos inimigos. Quatrocentos anos e uns trocos depois (1897) surge com a fama de vampiro: aquele que se alimenta de sangue. A própria natureza humana se encarrega de transformar o corpo humano no seu próprio laboratório.

Ainda no séc. XIX (1818), nasce uma criatura sem nome, conhecida pelo Monstro de Frankenstein, que se revolta com a sua condição e persegue o seu criador até à morte.

Na esteira dos estrupícios segue-se Demogorgon, um demónio, habitante do submundo, criatura humanóide com cabeça de planta carnívora, forma de pétalas e coroa. E quando se fala de Demogorgon fala-se do Democão, ser que deambula entre a larva e o cão e caçador de grupo como os leões, mais animal que humano mas apreciador de toda a carne, ainda assim possuidor de alguma sensibilidade, de quase gente dir-se-ia.

Destes horrores veio um há pouco tempo. Partilha dos morcegos a casa-mãe, dizem, e transmitiu-se ao homem através de outro animal, dizem também. Mas o novo Júlio César, que governa o Império e não sei se menos a Gália e que diz que a coisa se resolve ingerendo uns litros de lixívia, vem dizer que o novo coronavírus foi fabricado num laboratório na China, em Wuhan.

Em Nairóbi, Quénia, as crianças começaram a fazer tranças imitando uma coroa, antevendo já a nova moda, e os Maasai, que muito sofreram com a civilização na década de 1890, deixaram agora de ser semi-nómadas com medo de serem afectados pela nova pandemia.

Teme-se agora pela vida dos morcegos e pela economia mundial. Do pangolim nada se diz.

Ora os morcegos são muito úteis à biblioteca do Convento de Mafra para limpar dos livros os insectos; a Maga Patalójika e a Madame Min precisam deles para a poção (as "asas", vamos chamá-las assim, porque não o são de facto, são especialmente apreciadas); e o conde Drácula e o Batman sem a imagem que têm deixarão de ser o que são.

E teme-se também por tudo o que invoque a forma do novo coronavírus: a moca medieval estrela da manhã, os Demogorgon, os Democães e as tranças das crianças de Nairobi.


(1. Notas: a) Corona: o mesmo que coroa; em forma de coroa; b) “o novo Júlio César” (parágrafo 9.º): Donald Trump; e c) Composição a partir de imagens disponíveis na Web;

2. Um artigo que vale a pena ler a propósito da nova pandemia: «ccu cgg cgg gca - Las doce letras que cambiaron el mundo» - El País;

3. Estrela da manhã, Demogorgon e Democão: a) «Estrela da manhã (arma)» - Wikipedia; b) «AO ATAQUE: CONHEÇA 15 ARMAS INSANAS USADAS NA ÉPOCA MEDIEVAL» - «in» MegaCurioso; c) «The Demogorgon» «in» Stranger Things (Wiki); d) «Demogorgon» - Wikipedia; e e) «Stranger Things: o que é o Democão (e não é um Demogorgon)» - «in» Aficionados;

4. Neste «blog»: a) «Coronavírus» e b) «Coronavírus - Até os extraterrestres estão preocupados!»)

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