Friday, December 19, 2025

Caso Spinumviva. Ministério Público arquiva averiguação.


Anteontem, Montenegro, em declarações ao país, quase nos fez crer que foi vítima de “um autêntico inquérito criminal”, que não existiu, em vez da averiguação preventiva, que não se aplicava: foi ouvido a seu pedido, apresentou as provas que quis, quando não era obrigado a apresentá-las e nem lhe podiam ser exigíveis por força da própria averiguação preventiva, que é limitada; também não inverteu o ónus da prova (porque na averiguação preventiva “não há nem presunção de inocência nem ónus de prova”, apenas colaboração.), e, após o arquivamento (esse, sim, não escrutinável, porque está vedado o acesso), deu o ralhete, sorriu e bateu a porta. Caso encerrado.

I – 2025/12/17 – DECLARAÇÕES DO PRIMEIRO-MINISTRO, LUÍS MONTENEGRO.
 
No passado dia 3 de dezembro fui notificado do despacho de arquivamento do processo de verificação que correu termos na Procuradoria Europeia, na sequência de uma denúncia da doutora Ana Gomes.

Ontem, fui notificado do despacho de arquivamento da averiguação preventiva, promovida pelo Ministério Público, na sequência de várias notícias e denúncias anónimas.

“(...) a verdade é que as autoridades competentes e autónomas decidiram conduzir uma investigação profunda sobre a minha vida profissional e patrimonial e da minha família, bem como sobre a conformidade do exercício das funções de primeiro-ministro.

UM AUTÊNTICO INQUÉRITO CRIMINAL”. “TOTAL INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA”.

“O Ministério Público, coadjuvado pela Polícia Judiciária, promoveu uma averiguação preventiva que, na prática, foi um autêntico inquérito criminal, tal foi o alcance das diligências efectuadas e os elementos probatórios apreciados. Invoco a este propósito a minha qualidade de advogado com prática forense para poder atestar que, em certo sentido, se foi mais longe do que o normalmente admissível num inquérito, uma vez que os visados aceitaram uma total inversão do ónus da prova e alguns elementos solicitados e disponibilizados talvez esbarrassem no critério de um juiz de instrução, acaso carecessem da sua autorização.

EXTRACTOS BANCÁRIOS

Parece-me importante transmitir-vos que nesta averiguação, e entre outras coisas, foram analisados: movimentos bancários e extratos bancários, meus, da minha mulher e dos meus filhos; foram demonstrados fluxos financeiros; aplicações financeiras e as origens dos fundos utilizados na aquisição de património dos próprios.

Foram demonstrados os serviços prestados; a identidade dos clientes; o valor cobrado, os prestadores concretos dos serviços; os balancetes; as demonstrações de resultados; as despesas e a totalidade dos extractos bancários da sociedade Spinumviva desde o dia da sua constituição até ao momento.
 
Foram aferidas as condições de independência, isenção e exclusividade do exercício de funções governativas. E eu próprio me disponibilizei para ser ouvido, o que aconteceu também.

PARTE POLÍTICA DO DISCURSO. REGRAS.

Os escrutínios jornalístico e judicial existem. São mesmo fundamentais, essenciais à democracia. Mas também eles devem funcionar com regras. E a regra não pode ser a utilização de expedientes, e muitas vezes conluios, para exibir histórias mal contadas, que afinal de contas as autoridades competentes confirmam que não são verdade. 

Aqueles que ultrapassam os limites da sua condição e função, aqueles que ultrapassam os limites das regras, e da verdade, caem na tentação totalitária. E o totalitarismo pode afectar o pensamento e a conduta política, mas também jornalística ou judiciária.


II – 2025/12/17 – MANUEL MAGALHÃES E SILVA (ADVOGADO), NA SIC NOTÍCIAS.

ILEGALIDADE

Aquilo que sei, olhando para o procedimento que foi adoptado, é que, do meu ponto de vista, em prejuízo do Primeiro-Ministro, foi aberta uma averiguação preventiva que é um meio inteiramente ilegal para aquilo que se disse que se estava a fazer.

O que está em causa é que o Ministério Público não pode deixar de conhecer a lei e a averiguação preventiva aplica-se apenas a dois tipos de situações: branqueamento de capitais e corrupção e criminalidade económico-financeira. Para quê? Fazer averiguações para prevenir, isto é, para evitar, que possam ser cometidos crimes naquela área, porque há a suspeita de que possam vir a ser praticados. 

GARANTIAS DO INQUÉRITO

O que significa que em face do que se diz que são as denúncias anónimas – isso é corroborado pelo comunicado de hoje do Ministério Público –, o que estaria em causa era a averiguação de crimes no passado. E para isso só há um meio legalmente admitido que é o inquérito. E é o inquérito que teria dado ao primeiro-ministro todas as garantias de controlo, designadamente de controlo pelo Presidente do Tribunal de Justiça e pelo Procurador-Geral Adjunto junto do Supremo Tribunal de Justiça e, portanto, podendo ele actuar todos os meios adequados e, se tudo acabasse como parecia que iria acabar, pelo arquivamento, poder ter acesso a tudo o que fizeram e perceber o que é que tinha acontecido.

MONTENEGRO: “QUASE UM INQUÉRITO CRIMINAL

O Primeiro-Ministro diz uma coisa que não corresponde à realidade, (...) dizer que isto foi um quase inquérito criminal. Não é verdade porque aqui, do que ele próprio Primeiro-Ministro divulgou, aquilo que foi usado são meios públicos: registo comercial, autoridade tributária, documentos facultados pela Spinumviva, facultados pelas empresas e por ele próprio. Portanto, não há aqui nada – é normal que o faça – que possa dizer que teria que haver a intervenção do Juiz de Instrução e os meios próprios na averiguação.

NA AVERIGUAÇÃO PREVENTIVA NÃO HÁ ACESSO AO SIGILO BANCÁRIO

Não pode haver acesso ao sigilo bancário porque o Ministério Público pode determinar, mas só no inquérito, aqui não pode; não há buscas, não há intersecções telefónicas, não há apreensões, todos aqueles meios intrusivos que num inquérito podem permitir uma averiguação tranquilizante para o próprio arguido, aqui já não podiam ser usados.

NA AVERIGUAÇÃO PREVENTIVA NÃO HÁ PROPRIAMENTE UMA INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA

A partir do momento em que se pede a colaboração de um averiguado para esclarecer questões, não há propriamente uma inversão do ónus da prova, o que se lhe pede é uma colaboração para a averiguação que está em curso. Ali não há nem presunção de inocência nem há ónus de prova. Numa averiguação não há nada disso.

O MINISTÉRIO PÚBLICO COMEÇA MAL E ACABA MAL

O Primeiro-Ministro, porventura, teria como advogado uma experiência na área comercial e na área civil e não teria na área criminal; se ele tivesse experiência na área criminal sabia quais são as características próprias de um inquérito, e o que é que é uma averiguação preventiva (…) Só um ponto, porque tem importância, é que o Ministério Público começa mal e acaba mal. Porque tendo percebido, porque houve “éne” pessoas – eu teria sido por ventura dos primeiros; se não fui, também não tem importância nenhuma – que veio dizer que a averiguação preventiva era um meio ilegal porque era para o passado, o Ministério Público agora vem dizer no comunicado que divulgou, “sim senhor, mas que também se procurava prevenir eventual crime de recebimento indevido de vantagem”, de novo a dizer asneira: porque se eram efectivamente esses os dois objectivos, esses dois objectivos só podiam ser realizados por um inquérito(1): num inquérito averiguou-se o passado e pode-se prevenir o futuro; numa averiguação preventiva só se pode prevenir o futuro.
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(1)Tais factos alegados – já ocorridos e ainda a ocorrer naquela data – eram suscetíveis, ainda que em medida pouco expressiva, de fundamentar suspeitas do perigo da prática de crime de recebimento ou oferta indevidos de vantagem, previsto e punido pelo artigo 16.º da Lei 34/87.

No decurso da averiguação preventiva foram recebidas novas denúncias no Ministério Público, reproduzindo notícias de órgãos de comunicação social, respeitantes à aquisição pela família Montenegro de dois imóveis em Lisboa. Por poderem igualmente fundamentar suspeitas do perigo da prática de crime de recebimento ou oferta indevidos de vantagem, tais factos passaram a integrar o objeto da averiguação preventiva.” – «Averiguação Preventiva – Spinumviva. Arquivamento» –  DCIAP de 2025/12/17.
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O QUE ACONTECE QUANDO O MINISTÉRIO PÚBLICO COMETE UMA ILEGALIDADE?

Nada. Não acontece nada, a não ser que sejam daquelas ilegalidades que legitimem o pedido de intervenção do Juiz, onde estejam em causa direitos, liberdades e garantias, se torna efectivamente possível solicitar – isso hoje é pacífico, embora muito contrariado pelo Ministério Público, mas pacífico –, que é possível recorrer ao Juiz de Instrução Criminal e se, efectivamente, o Juiz de Instrução Criminal não fiscaliza adequadamente o exercício por parte do Ministério Público dos poderes que tem, há recurso da decisão do Juiz de Instrução. Aqui, onde o Ministério Público anda a dar a larga, digamos assim, e sem um controlo adequado da hierarquia, sobretudo a partir de 2019, altura em que por indicação e pressão do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, passou a ser generalizado no Ministério Público, deixavam de estar obrigados, com o novo Estatuto de Magistrados do Ministério Público, a directivas, instruções e ordens dos seus superiores – cada cabeça, cada sentença –, a partir daí gera-se efectivamente esta desorganização global (...)

DEVERIA SER PÚBLICO, OU NÃO, O DESPACHO DE ARQUIVAMENTO?

Neste caso em concreto, pela relevância política que isso comporta, eu entendo que sim. Devia-se se saber o que é que o Ministério Público fez na chamada averiguação preventiva, que não era, ponto número um; e quais foram os fundamentos (...)

ERA BOM QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO EXPLICASSE QUAIS FORAM AS RAZÕES PARA O ARQUIVAMENTO...

Já devia ter explicado.


(1. As notícias: a) «Montenegro diz-se alvo de "autêntico inquérito criminal" que "foi mais longe do que o normalmente admissível"» (COM AS DECLARAÇÕES DO PRIMEIRO-MINISTRO, LUÍS MONTENEGRO) – CNN Portugal, mesma data; e b) «Averiguação Preventiva – Spinumviva. Arquivamento» – DCIAP em 2025/12/17;

2. Dicionário: a) «Cat flea» (pulga do gato) – Wikipedia; b) «Dog flea» (pulga do cão) – Idem; e c) “Com a pulga atrás da orelha”: desconfiado, intrigado, de pé atrás;

3. Notas: desenho a lápis do autor e colorido digitalmente, agora com modificações: um lusitano (português), numa das histórias de Asterix e Obelix, fala com um centurião romano; e fotografia da emissão televisiva.)

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